terça-feira, 30 de outubro de 2007

passado

Foi assim
como que
nem sei
que àvida
ela se passou

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Chapado

Um risco de suor
crava aquele rosto no meio do dia
concreta a pele cozida pelo mormaço da hora
ainda há bafos de arrotos do almoço mal digerido
andou comendo lesmas refogadas num caldo de ácido
a quentura ferve em um hálito de nuvens
que se desfazem com a luz do sol
Furiosa, a atmosfera racha face a ilusões
Um suspiro mirrado trilha órbitas distantes
Entoa ecos de aves ossudas
Do alto daquele céu cego, o aço cintila sons
Que brilham no esquecimento desse que desce
Que curva diante da displicência de sombras
Da solidão seca da luz chapada
Da vida sem nuances
Do brilho do asfalto escuro

domingo, 19 de agosto de 2007

Encarna


À tarde, domingo cai vermelho
pende para a escuridão
pensa nos olhos encarniçados
sangra à despedida do começo
pisca na realidade de uma pomba
que embica na solidez do aço
e guarnece o pôr com sua natureza impar
às tardes, a de domingo péla ossos quebradiços de branco
do incerto futuro desabitado
sem pegadas
pronto para ser encarado

terça-feira, 14 de agosto de 2007

aqui e não ali

o que lhe cai em uma tarde de chuva
na qual exalas o que não consegue reter?

Que opções podem a ti arrastar dessa cama incômoda
dessas marcas e cheiros que pesam?

poderia mensurar o tempo
soma um a um os segundos
até ninar um minuto
repetir
e
chegar ao meio termo das horas
e
depois ir a elas crente
poderia ainda
depor o depois
e encher as horas de ti

tudo sem sair da cama

sem desprender-se do conforto
sem arriscar-se à linha
e expor-se ao sol sem vento
para proteger-se da luz de fora
resguardar o que é ainda
aqui e não ali

Me-ditando imagens



De frente para a TV
Medito imagens
Esqueço dos meus
E atiro-me aos outros
Perco sentidos
Arrumo aqui e ali
Mas nada conforta

As imagens não grudam
Passam, passam
E passando acumulam vazios
intervalos de cílios

Quando estou averso
dou trela para a tela
Quando estou em pó
Dissolvo-me em um nó
Quando estou viscoso
Grudo-me de remorsos
finco as unhas na imagem
e agarro naquela
em que me teletranstorno

Desvirtuo-me
Para criar realidades
Que a mim suportem
E que me esqueçam sob os lençóis
Onde desfragmento-me em frente a bela
e reconheço em vários...um eu

Sem janelas




Perdi as janelas
as minhas
Fiquei sem horizonte
A ver o escuro rente a mim
solidificando possibilidades
enraizando breus que ameaçam a minha lucidez

Fiquei alheio
Excluído do que observava pelas minhas janelas
Tiradas de mim
sem espaço vazios
com ausências preenchidas
pelo que mais temia
A imagem dos outros
agora refletia em mim
não mais as observava
agora as sentia
O espelho grudado na mente enferrujou
O tempo contado não passava
Fiquei eternamente em mim

segunda-feira, 25 de junho de 2007

ia



um barulho de chuva
ainda não molhada
permanecia na minha cabeça
não sei de onde vinha
nem porque a ouvia
senão chovia
talvez
por ironia
estivesse ensopada de algo a minha alma
carregada daquilo que quiçá seria
alma de chuva
era o que talvez eu teria
que desce tal qual o vento
e cai e corre
para onde?
não saberia

aquele





sentado sobre si mesmo
aquele homem pesado navega
entre ondas
ciente do mar que tem
que é raso e não se mantém
sempre entre um vai e um não vem
rema em um céu de espumas temporárias
de um caminho de inconsistências
de leva e traz
da areia que se liquefaz
e da água, represa de solidez
aquele homem

Servidão coletiva




É daqui de onde estou
desse coletivo
sobre ruas de vagas
de brisas poluídas
de balanços de tédio
é daqui que afundo no busão
para esquecer o enjôou do caminho
foco nas ondas
no zigue-zague humano
agarro-me no esquecimento
de quem não sabe de onde veio
sem durante
vai e vem de ondas
sem mar
sem sal
de servidão

sábado, 2 de junho de 2007

liberdade





indeciso entre passado e futuro
sentado sobre versos
vagueio pelo tempo de dores
sinto hoje o que não sei de quem é
o que passou, o que ficou, o que não passará
procurando portos que não mais existem
navios que não mais navegam
águas que não mais transportam

estou em terra firme
diante de lembranças que ainda açoitam
de dores que escravizam

gritos alheios saem pela minha boca
lágrimas do passado fazem chorar
sangues já derramados escorrem
tingem de ferrugem meus olhos de agora

e vou
e venho
e permaneço
em lugar algum
sei que estou perdido
dou voltas onde desconheço
as rugas de outros desenham a minha aflição
trazem à face, a cor do ciente
tiram a cal
a membrana imposta
e o negro envergonhado expira

silêncios





nos silêncios arrastados de um dia cansado
curvo diante da longevidade
respiro fundo para reaver fôlego
o ar que me adentra não areja
continuo tenso, com cara de tédio
com fastio do que não provei
tire o prato da minha frente
o cheiro do futuro me incomoda
deixa eu me retirar
dar de costas para a mesa
medir os passos até a porta
atravessá-la
reter-me por nada
e depois.....
voltar
dar as costas para a porta
olhar para dentro
medir os mesmos passos
sentar-me à mesma mesa e voltar ao mesmo ermo


lá fora
o sol a pino faz brilhar o asfalto
enrugo a testa
levanto os olhos
aqui
debaixo da mesa, meu pés
descalços estão em chamas
atado a minha dor
à mesa e de pés cozidos
carrego nuvens ralas de areia
rumino, rumino
olho para um
depois para o outro lado
estou aqui
aqui foi permanecer
eternizado em mim
mirando moscas
estou aqui
à revelia de mim

menos uma tarde



a tarde cai
e eu
desabo a enrolar desesperos
a cozer a desilusão de destinos
a borrar linhas de horizontes
a desfalecer
desistir de sonhar
a tarde cai
e
nada pode ser feito
esse é o destino das tardes
e
a mim
resta o cheiro que o fim exala
nada mais
quando os espirros expiram
o finito aperta
o real comprime
e
rememora-se o vazio do que se foi
ferindo como fumaça de cigarro já sugada
e
depois expelida

ecos frios


sob o limbo dos meus casarões antigos
respiro ecos frios de memórias
são áreas úmidas, gelam o que não há mais em mim
congelo deitado na cama envolto em imagens sólidas
o lençol é branco e pesa tal qual tela de tear
é difuso o que me separa do topo da cumeeira
não mais alcanço essas alturas
estou mais curvo, vôo baixo
o limbo, até esse enxergo pouco
só sinto o forte cheiro da sua presença
pouco vejo os entrelaçamentos das telhas
formam caminhos já percorridos
levam a lugares passados
a voltas mal dadas
a linhas finas
a tetos escorregadios
ainda a brisa escassa sopra entre as teias velhas das telhas
respiro os restos do ar de fora
estou cá, desse lado, na parte úmida da vida

ar de escravidão


um ar sorrateiro entranha
pela fresta esquecida
areja solidão
revira folhas caídas há muito
arranha o chão áspero da memória
descasca ferrugens do tempo
assopra dores de alhures
é um ar que vem do mar
do tipo que seca lembranças
quebra ferros
alivia o rarefeito passado
um ar que vem e faz respirar
conserva a vida
salga a carne, outrora refém
conserva a pele sangrada
é ar do mar
chicoteia
remove o porto
cega o morto
preserva o dito roto
um ar, balanço de ninar

vagas

da minha janela
de frente para o mar que já não tenho
lanço meu olhar para longe, para quase além
esbarro na linha do horizonte e ali permaneço
no limite
no caminho
na luz
vagueio no vento
passeio pelas vagas
sinto as espumas
estou perdido
já não sei
meus olhos cansam
minha vida umedece e a linha desaparece

restos de sobras

sentado sobre dias
há algo de poeirento no ar
um misto de sólido e líquido
algo pastoso pesa no vazio
e avulta a correria alheia das ruas


um contra-vento no rosto
desequilibra o olhar
vergo o dorso
há lama
excessos
lágrimas largadas
estados de não-excreção


estou indigesto
cheio de algo que me sobe à boca
sinto o gosto da memória
salivo desejos
o sono ronda
à espreita
estou sonado ao meio-dia
passo em revista ao sol
fecho os olhos, mantenho-os alertas
sonhos inesperados me amedrontam


olhos para os restos
para o que não consigo
embrulho o estômago
lembro do futuro

levanto da mesa do almoço
recomeço a caminhar

restos de tarde

o vento quente da tarde sopra
leva consigo a possibilidade
remove as cinzas recém-criadas
pequenas de idade
deixam o carvão
depositam a si mesmas na umidade da sombra
sobre desterrados



tenras
debruçam-se
choram frustrações
vidas cinzentas esperam no jirau sob a cruz
a claridade dói
o branco das cinzas cega os olhos
pousam em mim mas não consigo velá-las
não vejo o que me olha
o ar está quente
a respiração estremece
fico sem ar
sem respiro
sinto falta
suspiro o que resta
encho-me de vazio


limpo o suor do rosto
é líquido
é água
posso beber
mas não bebo
percebo minha mão
molhada de restos
escorre o vazio
nada sobre mim

quero levantar-me mas deito
quero abrir os olhos mas durmo
quero limpar mas canso
quero fingir mas choro
quero ir mas volto
quero pegar mas solto
quero mas não posso

ecos frios

sob o limbo dos meus casarões antigos
respiro ecos frios de memórias
são áreas úmidas, gelam o que não há mais em mim
congelo deitado na cama envolto em imagens sólidas
o lençol é branco e pesa tal qual tela de tear
é difuso o que me separa do topo da cumeeira
não mais alcanço essas alturas
estou mais curvo, vôo baixo
o limbo, até esse enxergo pouco
só sinto o forte cheiro da sua presença
pouco vejo os entrelaçamentos das telhas
formam caminhos já percorridos
levam a lugares passados
a voltas mal dadas
a linhas finas
a tetos escorregadios
ainda a brisa escassa sopra entre as teias velhas das telhas
respiro os restos do ar de fora
estou cá, desse lado, na parte úmida da vida

um azul


um azul de cor cinza
dá o tom dessa manhã poluída
um sujeito margeia as ruas
segue beirando um meio fio de águas turvas
apalpa a sensibilidade sinuosa do dia
toma coragem
enche o peito
embaraça os pingos em face do já
sente a mistura
do seu sabor e o da garoa
ambos estão frios
espera até que o nevoeiro se deprima
fique mais próximo
que as águas cessem de passar
não corre
anda esperando
há horas
há dias
há tempos
amanhã acentua sua monocromia
está mais fria sem contraste
manhã sem tarde sem noite
sem antes nem depois
uma manhã de sarjeta plana

Dias de sabão



vou ensaboar meu dia
jogar água e sabão
logo pela manhã
e
depois..............
escorregar sobre ele
assim como criança
hoje vou brincar com meu dia
lambuzar-me, quem diria
vou subtrair o meu hoje em dia

AO

à prisão
que eu mesmo me imponho
às amarras
a que eu mesmo me prendo

aos limites que me estabeleço
ao passo não dado
à palavra não escrita
ao ausente presente
às voltas dadas para evitar o caminho
às hesitações
aos ensaios
às estréias adiadas

à merda que cheira
que fede
que repugna
que ojeriza
e à qual eu me acostumo
ao vômito que comeria se faminto ficasse
à ética da decomposição futura
ao que eu não quero
ao que independente

Anteparo do céu

o teto continua alvo
miro no branco
na imensidão daquilo que não vejo
na retidão do que não tem cor
do que não tem marcas aparentes
me escondo nas ranhuras escondidas na linearidade

nada penso
nada concluo
só respiro
de baixo para cima
de dentro para fora
do começo para o fim

existo sob o anteparo do céu
entre a paridade dos números
são quatro, seis, oito, doze?
são muitas retas

vidas paralelas
que só enroscam no infinito
na curva
na inevitável curva

À sombra dos galhos



ando à sombra dos galhos
no limite
oscilando entre um e outro passo
sem saber o que é
e o que me acomoda
me poda
me encaixa
e esvazia-me

o vasilhame caiu
e o tempo não se partiu
permaneceu tal como acho que é
sempre e nunca
opostos atemporais
resistente à queda
e às sombras
e mais, aos limites

dias

há dias de silêncios compridos
diluídos, quase invisíveis
dias esparramados
longos a perder de vista
há dias de relógios quebrados
de tempos incontáveis

há dias que ficam

cheiram a nada
ondulam, pesam nos olhos
luzem na água da lata sobre a cabeça
sob o desequilíbrio do sol a pino
há dias que se liquefazem em toneladas
arqueiam ombros


há dias que chovem nuvens

derramam ameaças
acendem a escuridão
há dias que escorrem sobre a minha pele
deslizam e me fazem chorar
não têm melodia
são surdos, não cabem nas mãos
ouriçam pêlos
arrepiam almas
secam salivas
há dias sem sentidos
são esses que se apossam de mim

sem reflexo

diante de mim
passo os olhos pelo tempo
centrado no velho que imaginava
quando novo
desconfiado de que nunca fui meu reflexo
e
temeroso de que aquele fosse meu auto-retrato
disperso
tropeço em traços que por ora não vejo
envergonho-me da imagem que transpareço
e que talvez só eu mesmo veja



olho-me
e sinto saudade de alguém
ressinto a ausência
ecoa uma vastidão dolorida de incertezas
tremo porque sou passado
e meu reflexo virou sombra


não consigo escarrar-me
sou retido pelo meu próprio fluido
meus olhos se amesquinham


é o espelho
é o dia
foi a noite
quem sabe a luz
por favor
alguém?
alguém por aí?
quem sabe o que me traduz?

aquele ali sou eu
não sou o que imaginava
nunca serei

ruínas de mim

sou substrato do não sei
também sobras do já fui
caraminguás não contei
sou aquele que a cada dia rui

máscaras sobrepostas
encobrem o medo de mim
revelam o ardor nas costas
e, sem meu querer, meu fim

faces não reconheço
olhares não são meus
nuances eu não meço

a mim sempre disse adeus
olho os eus e vejo meu berço
e sinto os teus como os meus

nunca

quem nunca morreu um dia
não sabe o que é viver

quem nunca quis matar
não sabe o que é viver

quem nunca quis morrer
não saber o que é viver

quem nunca precisou ser salvo
não sabe o que é viver

quem nunca salvou
não sabe o que é viver

quem nunca decidiu não salvar
não sabe o que é viver

quem nunca recusou ser salvo
não sabe o que é viver

quem nunca ficou sem resposta
não sabe o que é viver

quem nunca perdeu o rumo
não sabe o que é viver

quem nunca disse nunca
não sabe o que é viver

quem nunca chorou por nada
não sabe o que é viver

quem nunca viveu
não saberá o que é morrer

sem vento

já estive em pé
agora estou sentado
e talvez ainda deite
sobre essas molas brancas de areia secas
em cima das quais tento me ajeitar
sob um sol sufocante
respiro pelo mar
balanço pela linha do horizonte
passo pela arrebentação
e ando pela planície do mar
uma brisa recente refresca meu olhar
o céu está cálido
da cor azul do fundo do mar
daqui de onde estou
o barquinho não vai
nem pra lá
nem pra cá
está parado depois das ondas
num balanço curto
numa espera absurda
não sabe que não há vento
nem para navegar
muito menos há praia para aportar
está à deriva
ele no mar
e eu cá

maresia de espera

O mar choroso de um dia chuvoso
debulha seu chorume sobre a praia
desenha com o seu silêncio
com a sua calmaria
que lhe é rara,
o destino de quem
ao lembrá-lo
também chora

esconde-me atrás do seu
cortinado de chuva
abarca todo esse sentimento de vagas
assovia o seu remanso nas minhas lembranças
retira das suas águas o que em mim deságua

chuva que vaza
e traga o mar dos escondidos
choraminga o tempo
de um mar sem sol
que pinga
ondas de brisa

lençol de água a mexer embaixo
bem profundamente
mar tingido de chuva
é devagar
de ondas alongadas
sem espuma
sem arrebentação
não há paz nessa calmaria
só maresia de espera

ser tão

as minhas veias internas secaram
secaram por eu ser não
as lágrimas não me regam, secam-me de solidão
seco tal qual maré desregrada
como flor não regada
como dor danada
às vezes não sei porque não.... mas do nada me renego
e para o nada me passo
a regar o vaso
a nadar no raso
a fingir que faço
sem margens, sem vazão

trocas

suspenso pela sombra da espera
permaneço imerso
em mim
de olho no que possa dali sair
e a quem possa se acaso há bossa
o que está ali interessar
escurecido pelo tempo
retenho o ego que coço
até gozar
sozinho,
sem o risco do outro a espiar

não, ainda não posso
com isso lidar
prefiro o medo em riste
mesmo que com isso fique triste

não, ainda não posso
expor o que não posso trocar
se a cada verso aludido
cada um falado, não retido
ainda me sinto sem algo
que antes justificava o despertar

versos úmidos

hoje perdi um poema
sumiu
como tantos outros se foi
era sobre as tardes que também já se foram
talvez fosse sobre as perdas
sobre aquelas que ficam
rememoradas de tempos em tempos
aquelas que se esquecem
e que nas tardes úmidas reaparecem
porque agora insisto em ser poeta

o que mais me dói

o que mais me dói
é a terra batida pela água
é a umidade do futuro
que encharca meu presente

o que mais me dói
é não saber e querer saber o nada
é o significado do depois
que adia o meu recente

o que mais me dói
é a areia trazida pelo vento
é a escuridão do branco
que gruda na mente

o que mais me dói
é o que mais me dói
é o que não vai
e que emperra a gente

o que mais me dói
é o dito pelo mais dito
é o que repete o gesto
e faz de tudo um verso

além da mão

olho para minha mão
e vejo
sob a superficialidade,
as veias da vida
o veio do sertão
o sangue da pulsão
as artérias da confusão
a possibilidade da convulsão
olho para a minha mão
e vejo
sob a vida
a morte esquelética
ossos magros
tortos que se escondem
sob a tez da escuridão
aquela que espreita
ossos de dobradiças
retorcem em unhas que permanecem
olho para a minha mão
percebo
e vejo
depois da vida
e da morte
sombras de um beijo

açoite

há momentos do dia
em que há dia e há noite
nos quais quase morria
no subjetivo açoite
e esqueço até o que mesmo ardia

um e outro

uma arma
um grito. um silêncio.
um sentimento
de ódio. talvez não.
um pensamento. intenso, contido.
de incompreensão.
uma pergunta.
várias respostas. todas válidas
iguais. sem solução
outro sentimento. de repulsa
de exclusão
outro pensamento.
de sujeição. de vergonha.
de decepção.
outra arma. outra perseguição.
outro grito. outro silêncio
tudo de novo. repetição

sobras

uma voz
uma sobra de voz
um sabor de lamento
trazido de lugares sumidos
por um chamado esperado
de uma voz conhecida
que nunca antes ouvida
roubou de mim a solidão
assentou-me debaixo da sombra
de uma mangueira escamosa
no jirau molhado perto da janela
da cozinha da casa de barro
que, torta, pende para o desmedido
que, teimosa, revolve o lodo escondido
onde o tempo nada no vento
vagas resvalam no meu rosto
e lá me contam histórias que
acredito
verdadeiras
mas o tempo se afoga no vento
e só memoriza brisas
reinvento meu passado
poetizo quem eu fui
construo-me
para que aqui
no presente
tudo se desfaça
com precedentes

a voz

a voz
a vós
a mim
a ti
a nós

a ida
a vinda
a volta
a solidão
a vida

a dor
a cor
o odor
a insistência
o despudor
o humor

o corte
a sorte
o porte
a negação
a morte

a outra
a tonta
o mantra
a fé
a ilusão do contra

virtual

às escuras do dia
alguém me acode
estava errante
sentado na cadeira
não sei o que via

a que vazio me defrontava?

aquela sombra
quase apagada refletida por engano no meu sorriso, era quase eu
estava preso em frente a mim
instado num estado de espelho
dividido
pensando em existir
sair da minha virtualidade

pocaína

o ar rareia na aridez
no deserto que é só meu
na sede que não sabia
no pó que não cheirei

caminho pela caatinga e repilo o cheiro

o ar rareia na aridez
de olhar estorricado
visto as rugas da tez
e a falta de palavreado

enquanto choro, seco, junto pedaços da minha pele quebradiça

pela garganta ferida
engulo seco o vazio
ensaio e aborto vômitos
saboreio o que gosto
perscruto os meus gritos
e permaneço aberto e posto

feito conta-gotas, sofro
arranho, disseco
mas tudo pouco importa
se um dia o ar rareia e some

meado

sou meio manco
metade de algo
caminho em solavanco
carrego ranços

sou meio manco
desnivelado, sem prumo
confuso, não enxergo o flanco
arrasto a perda do rumo

sou meio...
manco também
vivo, quase morto
na margem
um bocado terra, outro água
sou meado

um tantão preto
um tacho de macho
nem primeiro
tampouco derradeiro
sou do meio
divisor de nada
pouco lembrado e um quanto esquecido

subs

ser substituído
trocado, passado
ter laços puídos
sentimentos ruídos


planos rasgados
ter o chão tirado
o eixo quebrado
o paladar estragado
ser cegado


cindir o ser emulado
separado
retornado, transtornado
arrebatá-lo, impeli-lo
a escarrar raiva,
a babar ódio
a rejeitar o óbvio
a trans pirar
ser alucinado

amuado, o ser amaina
definha
embrutece
entristece
amolece
adormece
renasce

acordado
cordato
centrado
reincorpora
corrobora
pondera

quem dera perdoasse
amasse
revertera

debastando horas

uma moleza com hora marcada
uma respiração funda
afunda a minha alma
deixa-a
numa preguiça pegajosa
que lambrega meus olhos
que lentamente
desliza num tempo escorregadio
e sem que eu perceba
suspende a minha inspiração
adia a minha expiração
expiro
profunda e demoradamente
não durmo
nem acordo
fico
sem ter nem para quê
largado em mim
digerindo
debastando horas
dói viver
ter de me mexer

o sol lá de fora

o sol está lá fora
é lá o seu lugar
sempre foi
quanto ao meu
não sei

estou aqui
e nunca tive medo do sol
mas descoro há tempos
sublimo no suor retido em poros
vago à minha volta
faço sombra sem rebater o sol
gosto do sol que não vejo
o do receio

onde é aqui, agora, neste momento?
ao sol cabe o universo afora
a mim, o que aflora
ademais
o que eu posso fazer com o que me cora?

exageros de mim

carrego uma tonelada de nada
de coisa alguma
carrego-me
agüento esse peso desmedido
de alguém sem leveza
pensado
dou voltas em torno de mim
caio sobre mim
e não deixo marca no chão
estou morto sem corpo
sem desenho
sem esboços do que eu fui
nunca estive aqui
nunca fui eu
nem o outro
não há como reconhecer-me
não há vestígios de que eu haveria de ser
passei assim
ao léu
desapercebido
do qual ninguém lembra
confundido com outro
sempre visto
nunca reconhecido
sou um sombra
uma dúvida
uma possibilidade
desmancho no ar

como um porre

um vento percorre
ventila meios
escapa entre anseios

um vento vem não sei de onde
e tira de mim o sustento
resvalo num porre

Ao meio

quando fecho os olhos no meio do dia
a escuridão dos inversos amolece a minha lida
revisto meus trajes de desespero
e vou caminhar em trevos
circular pela minha órbita
pairar sobre a minha cabeça
e ver
de fora
a inércia
premedito e repito
e assim
nessa letargia
descanso no braço
e me esgarço sem sentido
na bicha preguiça

quando fecho os olhos no meio do dia
a minha cabeça pesa
reza por nada
vazio de toneladas
a resistência trinca
a cada dia
tiro lascas de sobrevivência
livro-me de mim

mar da noite




há dias apressados
que varrem
que limpam
que despertam mortos de praia
há dias de mar
que arrebentam
que quebram o silencio dos ventos
que vão e que vem
que repousam além
salgam a carcaça
há dias de ressaca

ser sonhado

não ser mais
o que sonhei
acordar para ser negro negado?
permaneço dormido
fechado

Parido


com medo


ainda não sair da cama

acordei mas estou preso
hoje amanheci como que parido
reticente, manhoso
com olhos de gosma
amanheci umbilical
ensangüentado de parto
com o choro preso
com medo do que viria